Receita Federal do Brasil (RFB) publicou novas orientações para o mercado de criptomoedas. As orientações foram publicadas após consultas feitas ao regulador e envolvem exchanges, operadores P2P, utility tokens e NFTs que representam ativo do setor imobiliário.

Segundo as novas orientações da Receita, estes tokens são diferentes e no caso dos utility tokens, sejam eles operados por empresas ou via P2P, eles deve seguir as mesmas orientações do regulador para ativos como Bitcoin e Ethereum, ou seja, devem ser informados no Imposto de Renda e mensalmente (pagando imposto) de acordo com as regras da IN 1888.

"A pessoa jurídica, mesmo não financeira, que disponibiliza plataforma digital em que seus usuários podem realizar transações com utility tokens diretamente entre eles (transações peer to peer), enquadra-se como exchange, restando obrigada a prestar, à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, as informações sobre as transações com criptoativos próprias e de seus usuários. A pessoa jurídica que realiza emissão de utility tokens deve prestar as informações acerca dessa operação à RFB", declarou a Receita Federal.

Já no caso do caso específico de NFTs representando imóveis (a orientação não pode ser expandida para todos os tipos de NFTs) a Receita Federal declarou que eles são livres de impostos e também não precisam seguir as determinações da IN1888 e nem informados ao regulador.

"A pessoa jurídica que oferece serviços referentes a operações com non fungible token (NFT), representativo de um imóvel em particular, não está obrigada a prestar as informações relativas a operações com tal NFT, conforme a Instrução Normativa RFB nº 1.888, de 3 de maio de 2019, pelo fato dele não se enquadrar no conceito de criptoativo previsto na referida Instrução Normativa.

A pessoa jurídica que intermedeia a alienação de NFT, representativo de um imóvel físico em particular, ou que apenas confirma a titularidade de tal NFT, para fins de locação do imóvel que ele representa, e registra essas transações, não está obrigada a apresentar a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob) por conta dessas atividades.

NFTs e utility tokens

Arthur Barreto, sócio da área tributária do DSA Advogados, destacou que a Receita Federal está demonstrando um grande esforço no sentido de controlar as transações com criptoativos.

"A preocupação é legítima, especialmente para evitar a evasão fiscal, mas o que se nota é um alargamento do conceito de exchange (idealizado pela própria Receita em ato infralegal) que deve ser avaliado com cautela para que não se extrapole a competência do fisco na ausência de lei específica", destacou.

Já João Claudio Leal, sócio coordenador da área de Direito Tributário do SGMP Advogados, destacou que embora a Receita Federal do Brasil não reconheça o token não fungível (NFT) como criptoativo, diverso é o entendimento em relação ao token de utilidade ou utillity token.

Leal apontou que embora ambos os ativos sejam desenvolvidos em blockchain, o conceito de criptoativo adotado pela RFB exige que o ativo virtual represente um valor em sua própria unidade de conta. O token não fungível, embora possa ser negociado, não tem essa característica, porque nele não há representação de um valor.

"O token de utilidade se enquadra no conceito de criptoativo contido na Instrução Normativa 1.888/2019, da Receita Federal do Brasil, porque ele representa um valor. Por essa razão, as empresas que disponibilizam plataformas que viabilizam as operações com tokens de utilidade devem prestar as informações sobre essas operações por meio do sistema eletrônico Coleta Nacional, da mesma forma que quaisquer empresas que ofereçam serviços referentes a operações com criptoativos", afirma.

Isac Costa, sócio do Warde Advogados e coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito do Ibmec São Paulo e professor do Insper, por sua vez destacou que os novos apontamentos da Receita esclarecem pontos que não haviam ficado claros anteriormente.

Na primeira, Solução de Consulta Cosit 218/2023, a RFB entendeu que, se uma empresa facilita a negociação entre pessoas envolvendo ativos virtuais (na modalidade utility tokens), ainda que na modalidade peer to peer (negociação direta), então  empresa é equiparável a uma exchange e deve fornecer as informações exigidas pela IN RFB 1.888/2019.

No segundo caso, quando as transações envolvem tokens não fungíveis associados a imóveis (ou aluguéis de imóveis), a RFB entendeu que as transações em questão não geram o dever de informar estipulado quando da transação de imóveis propriamente ditos (no caso, a DImob). Ou seja, não houve uma equiparação das operações com ativos virtuais às operações com bens imóveis a eles associados para fins de prestação de informações ao Fisco.

Novas regras

Graziele Pereira, advogada Tributarista, sócia do Greco, Canedo e Costa Advogados, destaca que no atual cenário, no qual as formas e as possibilidades de negócios no mundo virtual evoluem muito rapidamente, a Receita Federal do Brasil, busca meios para exercer sua atividade de fiscalização e cobrança de tributos. 

"Na Solução de Consutla COSIT nº 217, a RFB apresenta em detalhes as atividades realizadas pela Consulente proprietária e operadora de uma plataforma eletrônica por meio da qual são realizadas, entres seus clientes/associados, transações envolvendo negócios relativos a imóveis (compra e venda, doações, permutas, etc), de modo inteiramente digital", destacou.

Segundo Pereira, a RFB inova ao apresentar uma interpretação mais restritiva ao termo “unidade de conta” aplicável na definição de criptoativo, segundo previsto no inciso I do artigo 5º da IN RFB nº 1888/2019.

Ela também destaca que de acordo com a Receita, a “unidade de conta” é uma das típicas funções da moeda, que permite atribuir preços a bens e serviços, no entanto, não se aplica a ativos virtuais de caráter unitário e infungíveis (non fungible token - NFT) tais como um imóvel único, denominado pelo contribuinte, no caso analisado, como “propriedade digital”.

"Assim, a conclusão da RFB foi no sentido de que a Consulente (i) não está obrigada a prestar informações para a RFB relativas às operações com NFT, pois não se enquadra no conceito de criptoativo, e (ii) não realiza a alienação de imóveis e, portanto, não está sujeita a entrega da Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob)", disse.

Ela também aponta que na Solução COSIT nº 218, o entendimento foi no sentido de que as atividades da Consulente estão sujeitas à obrigação acessória de prestar informações para a RFB. No caso, a contribuinte é emissora da “tokens de utilidade” e disponibiliza uma plataforma com carteira digital para armazenamento desses tokens, podendo o usuário realizar transações peer to peer (ponto a ponto) ou transferir os “tokens de utilidade” para uma carteira externa numa exchange.

"Segundo previsão da IN RFB 1888/2019, as pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no Brasil, estariam obrigadas em relação às próprias operações quando realizadas em exchange domiciliada no exterior ou não realizadas em exchange quando o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00, o contribuinte fica obrigado à prestação de informação à RFB sobre as transações com criptoativos.

Frise-se, no caso, a RFB extrapolou o texto da IN para definir a obrigação da Consulente a prestar informações inclusive de seus usuários, ponto, a meu ver, que pode ser questionado.

A RFB ainda destacou o alcance da IN RFB 1888/2019, quanto às operações com criptoativos a serem informadas: não apenas a compra e venda, mas operações de permuta, doação, transferência para a exchange e retirada da exchange, aluguel, dação em pagamento, emissão e quaisquer outras operações que impliquem em transferência de criptoativos", concluiu.

Fonte: cointelegraph